segunda-feira, 23 de março de 2015

Absa Cape Epic 2015 - "FIM"


E terminou! A minha oitava grande aventura em BTT. Depois da Titan Desert, Bike Transalp, TransPortugal (2x), Brasil RideAndalucía Bike Race, agora foi a vez da Absa Cape Epic (África do Sul). 

É curioso que cada nova aventura que faço, a intensidade das emoções e as vivências são cada vez maiores. A Absa Cape Epic foi, para mim, a prova mais emotiva, a mais sofrida, a mais atribulada, e que mais custou a preparar, a nível logístico, financeiro e físico. 
Foi também a que mais gente envolveu, e a que mais interação gerou nas redes sociais. 
Mas aqui não estou a incluir a minha loucura de ter participado na Volta a Portugal do ano passado, 10 anos depois de terminada a minha carreira e já com 44 anos de idade. Esta bateu todos os recordes!
Sempre disse que participar na Cape Epic não era uma das minhas prioridades. Já tinha estado em África do Sul por duas vezes a competir, em 1991 e 1995. Mas numa competição de estrada equivalente à Volta Portugal – a Rapport Tour. Lembrava-me ainda das paisagens, da cultura, e sobretudo das longas horas de viagem de avião. Acredito que há outras aventuras em BTT mais interessantes e sobretudo mais económicas que ainda me falta fazer.

Mas também já o disse algumas vezes que uma das principais razões de eu embarcar nestas aventuras é para “alimentar” as minhas redes sociais, e partilhar as minhas experiências com todos vós. Dá-me um gozo enorme fazê-lo!
Claro que gosto da adrenalina da competição, que gosto de conhecer novos locais e novas pessoas. Mas asseguro-vos que o sacrifício que exige uma preparação para cada uma destas aventuras, as privações, e o investimento em tempo e dinheiro, levariam-me a pensar duas ou três vezes antes de me atirar de cabeça. Ainda mais que privações semelhantes já eu tive durante quase 20 anos de carreira como ciclista.

Foram vocês que me ajudaram a decidir qual o desafio para este ano, quando em Setembro do ano passado fiz um pequeno inquérito no Facebook a perguntar qual a próxima prova de BTT internacional que eu deveria fazer. Mais de 60% respondeu Cape Epic. 
E porquê a Cape Epic? Acredito que por ser a mais mediática e considerada a melhor prova de BTT por etapas do mundo. Mas também uma das mais dispendiosas!
Que assim seja! De imediato pus-me a fazer contas ao orçamento. Falei com alguns amigos que já fizeram a prova e cheguei à conclusão que para participar nesta prova iria precisar de uma grande ajuda financeira, e claro, de um colega de equipa. Primeiro falei com a minha entidade patronal. Se a GoldNutrition podia ser o principal patrocinador. De imediato disseram que sim. Além de fornecerem 50% do orçamento necessário, ainda tiveram que me dispensar durante as duas semanas que tive por terras de África.

Em relação ao resto do orçamento necessário, decidi aceitar a sugestão de alguns seguidores e fazer uma campanha de crowdfunding. Uma ferramenta que nunca tinha utilizado mas que veio a ser um sucesso. Com a ajuda de muitos de vós, em duas semanas conseguimos a verba necessária para cobrir o resto do orçamento em falta. Com isto conseguimos reunir cerca de 600 patrocinadores, e ainda angariar 1200 euros para ajudar a melhorar a qualidade de vida do piloto português de motocross Henrique Venda, que sofreu um grave acidente em competição
O colega também já tinha sido escolhido. O José Rosa, atual campeão nacional de maratona no escalão Master, e meu colega de equipa no inicio dos anos 90, de imediato disse que sim.
Com o objetivo definido e a verba necessária conseguida, a preparação física e mental teria que começar. E começou. Como parte da preparação, participámos na Andalucia Bike Race, uma prova de 6 dias com um nível físico e técnico dos mais elevados a nível internacional. A nível de resultado foi bem melhor do que esperávamos, pois vencemos a nossa categoria (master) por larga vantagem. Mas uma queda acabou por prejudicar a minha preparação para a Cape Epic. Estive duas semanas a fazer tratamento a um joelho e quase sem poder treinar. Nada que já não estivesse acostumado, pois ainda o ano passado a minha preparação para a Volta a Portugal tinha sofrido um grande atraso devido também a uma lesão no outro joelho originada por uma queda na Brasil Ride no final de 2013.

Mas com a ajuda dos excelentes profissionais da Fisiotorres, a recuperação do joelho foi relativamente rápida e bem sucedida, e assim as expectativas e ambição mantiveram-se em alta no que respeita a lutarmos por um lugar no pódio na categoria master, naquela que é considerada a prova mais importante do calendário mundial de BTT. Mesmo sabendo que a concorrência era fortíssima. A maioria dela ainda faz do BTT a sua vida profissional.

Quatro dias antes do inicio da Absa Cape Epic viajámos para Cape Town (África do Sul), de forma a ambientarmo-nos com o clima, pois em Portugal ainda era inverno e em África do Sul as temperaturas rondavam os 30ºC. Ficámos esses dias prévios em Stellenbosch, uma pacata cidade a cerca 50km de Cape Town, com alojamentos mais económicos e estradas mais calmas para treinarmos. Aqui um agradecimento ao amigo Pedro Duque, por nos ter colocado em contacto com o Songo Fipaza que se encarregou do nosso transfer do aeroporto para Stellenbosch.

Os 4 dias nesta cidade foram impecáveis. Deu para treinar (pouco), deu para assistir à Champions Race, um evento solidário organizado pelo Songo, com a presença das várias estrelas profissionais que mais tarde participaram na Cape Epic. Mas o ponto mais alto foi mesmo o jantar com a comunidade portuguesa, intitulada “Academia do Bacalhau”. Um jantar que se prolongou até bem tarde. Aliás, acho que por vontade deles a esta hora ainda lá estávamos a beber shots de Grappa. LOL. Por momentos até nos esquecemos que estávamos ali para participar num evento desportivo.

Na véspera do inicio da Cape Epic, um dos nossos mais recentes amigos, o Romão, residente em Cape Town, fez o favor de nos ir buscar a Stellenbosch e levarmos ao hotel, em Cape Town, onde iriamos ficar instalados. Como se não bastasse ainda andou connosco o dia todo para o caso de precisarmos de alguma coisa. Nesse dia juntaram-se mais dois portugueses que fizeram cerca de 1200km para nos ver e dar um apoio moral durante o prólogo que iria ser disputado no dia seguinte. Terá sido isto o que mais me impressionou e me emocionou. O carinho e apoiou incondicional de todos os portugueses a fazer a sua vida longe da pátria. Em momento algum nos sentimos sós ou desamparados. 

Antes do tiro de partida estava com muitas dúvidas em relação à minha condição física. Se o meu joelho iria aguentar, se as duas semanas que estive quase sem treinar iriam ser muito prejudiciais. Por parte do meu parceiro José Rosa, sabia que ele estava preparadíssimo, mesmo sendo a sua primeira aventura desta envergadura em BTT.

Ouço ou leio quase diariamente que não tenho nada a provar. Sim, eu sei, pode ser que um dia mude a minha forma de estar, mas neste momento ainda sou demasiado competitivo. E quando apontei a Cape Epic como objectivo para este ano, não seria unicamente para passear. Queria um classificação de destaque. Foi para isso que me sujeitei a treinar muitas vezes de madrugada, outras vezes já de noite, que me submeti a dietas ou que prescindi de momentos de laser com a família, ou até de uns copos com os amigos.


No prólogo senti-me excelentemente. Não fora o meu companheiro não se dar bem com esforços mais curtos e mais intensos e possivelmente teríamos lutado pela vitória nesta primeira etapa. Mesmo assim fizemos 3º. Aliás, foi o primeiro pódio dos 4 que conseguimos em etapas. Mas todos eles de 3º lugar.
Sobre cada uma das etapas já falei em crónicas anteriores. Houve etapas que disse mal de tudo e de todos, inclusive da minha decisão de participar na Cape Epic. Houve etapas que me diverti como uma criança na Disneyland, outras que chorei sangue, suor e lágrimas. 

Em resumo, descobri porque a Absa Cape Epic é especial. De uma forma ou de outra, leva todos os participantes, familiares, staff e público a sentirem intensamente cada momento. Umas vezes de alegria, outras de tristeza ou angústia. São as emoções à flor da pele.

Mas não é uma prova perfeita. Há aventuras de BTT com paisagens mais espetaculares, há aventuras mais económicas, há aventuras com melhores condições para os participantes, há aventuras com mais exigência física e técnica. Mas a Absa Cape Epic será a que consegue um melhor equilíbrio entre todos estes factores, juntando ainda o mediatismo e o retorno que mais nenhuma consegue atualmente, sobretudo para quem depende de patrocinadores.

Destacando seis aspectos que me pareceram mais positivos:
1º Mesmo os trilhos mais técnicos e assinalados com placas como perigosos, eram acessíveis a todos os participantes. Raramente passámos por trilhos que colocassem em risco a nossa integridade física. 
2º As dezenas e dezenas de quilómetros de singletracks (cicláveis). Pura diversão!
3º A higiene dos acampamentos, nomeadamente dos balneários e WC’s. Sempre um “brinco” e em quantidade suficiente para os 1200 participantes e ainda o todo o staff!
4º A quantidade de zonas lounge ou “Chill Zone”, ou seja, locais à sombra com cadeiras, espaldares, colchões, onde os atletas podiam descansar durante as tardes de calor em que era impossível estarmos dentro das nossas tendas devido ao calor. 
5º O serviço de internet (wi-fi) disponibilizado pela organização funcionava impecável em quase todo o acampamento. 

E agora cinco pontos que poderia ter sido melhor:
1º A comida, poderia ser mais variada. Ao terceiro dia já não podia ver borrego estufado e lasanha de galinha, ao jantar! E ao pequeno-almoço, papas de aveia e pão de forma torrado no dia anterior com manteiga de amendoim e/ou fatias de queijo!
2º A quantidade de poeira que engoli durante este oito dias, não será culpa da organização, de qualquer forma para mim é um aspecto negativo dos trilhos desta região. Além do pó, também demasiada areia.
3º A falta de informação aos participantes. Sobretudo no último dia, preocuparam-se em fornecer um bom espetáculo aos milhares de público que estava presente em Meerendal, e esqueceram-se em facilitar a vida dos participantes, que chegavam completamente desgastados de 8 dias de BTT duríssimos e não sabiam onde eram os banhos, ou o que fazer com os sacos das bicicletas. Nem o staff sabia! Aliás, nesse dia éramos para ir ao pódio para receber o 4º troféu de 3º lugar na etapa e não chegámos a descobrir quando e onde foi essa cerimónia. Nos dias anteriores tinha sido durante os jantares.
4º A organização encarregava-se de lavar as nossas bicicletas assim que chegávamos. Mas quase sempre tivemos que finalizar esse serviço com um pano.
5º Havia apenas uma zona com tomadas elétricas, talvez umas 10, para carregarmos os nossos aparelhos, originando por vezes grandes filas de espera.

Contabilisticamente, eu sofri uma queda, e o Zé duas. Qualquer uma das três deixou-nos mossas e impediram que lutássemos por um lugar no pódio.
Por outro lado, não tivemos uma única avaria mecânica, a não ser as originadas pelas quedas! Não tivemos um único furo, não partimos nenhuma corrente ou qualquer outro material. Os pneus escolhidos foram uma excelente opção – Continental Race King Protection 2.2, tanto atrás como à frente. Claro que após 750km e com tanta pedra que apanhámos, estão nas lonas! 


A escolha dos andamentos também terá sido a melhor. Enquanto na Andalucia Bike Race levámos o prato 32 (XX1) e 10-42 atrás. Para a Cape Epic optámos pelo 34. É certo que por vezes a força que tínhamos que fazer em algumas subidas mais íngremes era brutal, mas sem o 34 iriamos ter muita dificuldade em andar com o pelotão da frente nos trilhos mais planos, em que chegávamos a rolar a mais de 35-40km/h.

Como devem saber eu utilizei a Scott Spark, uma bike de suspensão total. Já o Zé usou a Scale (hardtail). Houve dias que só ouvia o Zé gritar a meio das etapas: “Eu quero uma Spark!!!!!”. De facto a longa extensão das etapas, a quantidade de pedra que apanhámos, associada à velocidade que se anda em pelotão, que a melhor escolha para esta prova é mesmo uma bicicleta de suspensão total. Aliás mais de 70% dos participantes opta por este modelo.

A última etapa desta edição terminou no mesmo local onde começou em edições anteriores. Uma quinta vinícola muito conhecida – Meerendal. À chegada tínhamos vários portugueses à nossa espera, não só para festejarem connosco, mas também para nos ajudarem a arrumar tudo e a fazer o transfer para o hotel onde pernoitámos a última noite em Cape Town. Mais uma vez o Romão, juntamente com o Miguel Coelho e o Rui Afonso foram incansáveis.

Com a ajuda deles fomos dos primeiros a chegar ao hotel Commodore de forma a descansarmos um pouco antes do jantar de encerramento preparado pela organização.
No Domingo às 19h00 já estávamos no restaurante, para festejar e despedirmo-nos desta participação na Cape Epic. 

O nosso voo de regresso a Portugal estava marcado para o final da tarde de segunda-feira. Como ainda tínhamos a manhã livre, a Sonya Alves ofereceu-se para nos levar a conhecer uma das 7 maravilhas naturais do mundo – a Table Mountain. Esta portuguesa a residir em Cape Town foi também incansável no apoio que nos deu durante toda a nossa estadia.

No fundo, e apesar de não termos oficialmente uma equipa técnica de apoio à nossa volta, tivemos um bom grupo de amigos que fez tudo o que esteve ao seu alcance para que tivéssemos uma presença mais condigna nesta aventura.

Parece que foi ontem que fizemos o prólogo da Absa Cape Epic, e neste momento já estou no avião a caminho de Lisboa a fazer-vos o rescaldo desta grande aventura.

E de repente ficou o vazio! O meu objectivo anual já está concluído, e ainda só estamos em Março! O que é que eu vou fazer agora?!
Bem, primeiro que tudo tenho que dar um pouco de descanso ao corpo e à mente. Deixar cicatrizar as feridas e fazer tratamento ao braço que continua a adormecer quando faço mais força. Acabar com as privações dietéticas e engordar 5 ou 6 quilos 
Depois tenho vários eventos agendados para o resto deste ano. Caso dos “granfondos” com bicicleta de estrada (Douro, Gerês, Estrela, Lousã e Quebrantahuesos), a Epic Road Challenge, a Epic Portalegre MTB e a Azores Challenge BTT e mais algumas maratonas de BTT em solo nacional.

Quanto a próximas aventuras além-fronteiras, não tenho ainda nada definido. Não sei se voltarei a fazer uma Cape Epic, pois o investimento em tempo e dinheiro é muito grande. Na mesma situação está a Brasil Ride. Ou seja, terá que ser muito bem ponderado, e analisada a viabilidade de tais participações. 
Resta-me agradecer às pessoas que tornaram possível mais esta aventura. Não só as que estão por detrás das empresas/marcas patrocinadoras, mas também os amigos e anónimos que viabilizaram o orçamento desta nossa participação através do crowdfunding. 

Agradecimento especial à minha família, à GoldNutrition, à BIKE ZONE, à Scott Portugall, à BBB Cyclingl, à Fullwear Equipamentos de Ciclismo, à Ciclo Coimbrões, LDA, ao H2otel Congress & Medical SPA, à Fisiotorres Lda, à SPEEDSIXCompressport Portugal, aos amigos, Romão da Luz, Sonya Alves, Rui Afonso, Miguel Coelho e restante comunidade portuguesa na África do Sul.
E a todos vós que são uma das principais razões para eu continuar a pedalar.
OBRIGADO e até à próxima.

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