sexta-feira, 20 de março de 2015

Dia #6 - "Queda de José Rosa e pódio mais distante"


Ainda na crónica de ontem tinha escrito que a Absa Cape Epic é muito mais que lugares no pódio, é uma experiência para a vida.

Pois bem, hoje está a ser um dia rico em novas experiências. Há quem diga que nós portugueses somos um povo pessimista por natureza. Sinceramente tenho a tendência para ser pessimista. Acho que é um mecanismo de defesa, pois assim estou sempre preparado para o pior. Mas até acho que os portugueses regra geral são optimistas. Não existe o velho ditado: “podia ser sido pior”?
Pois bem, hoje podia ter sido pior.
Os primeiros quilómetros da etapa de hoje eram planos. Alguns troços em pedra solta intercalados com outros em asfalto. Mas sempre com muito pó à mistura. A velocidade, como já é habitual, é sempre a top! 30-40km/h em cima de uma BTT muitas vezes com um piso tão instável que até parece querer sair debaixo de nós.
Eu e o Zé tentamos sempre estar o mais à frente possível, para que a visibilidade seja melhor e assim evitarmos as quedas. Ironia do destino, hoje queda deu-se nos primeiros lugares do pelotão, e no asfalto! E o Zé foi um dos envolvidos! E isto com apenas 15 minutos de etapa!
Eu ia no outro lado do pelotão e só me apercebi que tinha havido uma queda, não reparei que o Zé estava lá. Mas uns segundos depois olhei para trás para conferir e vi o meu colega a levantar-se do chão! Deixei o pelotão ir embora e esperei por ele. Ele de imediato me avisou que a bicicleta não estava em condições. Por incrível que pareça a primeira coisa que a maioria dos ciclistas confere depois de uma queda é se a bicicleta está em condições de prosseguir. Só depois vê se sofreu algum ferimento.
Da facto a Scott tinha ficado maltratada. O tubo que passa o óleo para o travão de trás estava cortado, logo, sem travão. A roda de trás estava num oito, o desviador da mudança estava também torto, e as duas grades de bidão estavam partidas.



De imediato começámos a consertar o que podia ser consertado ali, na berma da estrada. Endireitámos a mudança à força de mãos e desempenámos a roda, pelo menos o suficiente para não tocar no quadro da bicicleta. Em relação ao travão, não havia nada a fazer! Teve que fazer os cerca de 110km de etapa que ainda faltavam, apenas com o travão da frente a funcionar. Estivemos cerca de 20-25 minutos parados. O suficiente para que quase todos os participantes (1200) passassem por nós.
Só depois quando já íamos em andamento é que começámos a avaliar os estragos no corpo do Zé. Várias escoriações pelo corpo, os calções rasgados, mas era o cotovelo direito que estava mais maltratado. Com o passar dos quilómetros começou a inchar cada vez mais.
A partir deste momento tínhamos uma nova aventura pela frente. Terminar aquela que era considerada a etapa rainha desta edição da Absa Cape Epic, apenas com o travão da frente, uma roda traseira empenada e o Zé com a “chapa e pintura” a precisar de manutenção. 
Sabíamos que era completamente impossível recuperar todo aquele tempo perdido. O grupo da frente não espera por ninguém. E nós ainda tínhamos um outro obstáculo pela frente. Conseguir ultrapassar as centenas e centenas de participantes que não estão com pressa ou que não têm capacidade para andar mais rápido. E logo por azar ou coincidência, a etapa hoje tinha imensos trilhos que não dava para fazer ultrapassagens. Foi preciso muita paciência e equilíbrio, acreditem.
Hoje vimos com os nossos olhos a razão pelo qual participantes demoram 8 a 10 horas para fazer aquilo que outros demoram apenas umas cinco. Subir à velocidade que muitos sobem é preciso mesmo muito equilíbrio. Vimos inclusive alguns a cair em plena subida!
Pouco a pouco fomos passando equipas, sempre que havia algum espaço para fazê-lo em segurança. A subir passávamos 10-20 equipas, depois a descer éramos passados por 5. O Zé só com o travão da frente não conseguia controlar a bicicleta. Tinha que descer muito devagar.
Quando chegámos ao primeiro abastecimento, ao km40, os enfermeiros "entraparam" o braço do Zé. Estava muito inchado e fazia-lhe confusão a trepidação da bicicleta.
E já que estávamos atrasadíssimos, "perdido por 100 perdido por 1000". Aproveitámos para desfrutar com mais calma a comida que a organização disponibiliza nas zonas de abastecimento.
Nos outros dias não parávamos nem 20 segundos. Era encher o bidão, agarrar 1 ou 2 bolos secos e arrancar ainda com eles na mão (os bolos).
Pois hoje encostámos as bicicletas a um muro, e com mais calma víamos o que nos tinham para oferecer. Vários tipos de bolos com frutos secos, fruta, barras energéticas, tâmaras secas, nougat de amêndoas, gomas, bebidas, ... Muito completo! Grande barrigada! Ainda mais que não tinha comido nada até ali.
Ah, mas ainda antes de chegar a essa primeira zona de abastecimento, fizemos algumas descidas com bastante pedra. Quando assim é, muitos bidões saltam das bicicletas. O meu foi um deles. Quando reparei que tinha perdido o meu, a solução que me lembrei foi apanhar um outro do chão, também perdido por um participante que já tinha passado por aquele local. Quando cheguei ao abastecimento, lavei-o, enchi-o com bebida isotónica e siga, já não morria à sede 
O ritmo que impusemos até final da etapa não foi o mesmo dos dias anteriores. Primeiro porque estávamos algo desmoralizados, depois porque o Zé não podia arriscar nas descidas e depois porque tínhamos sempre ciclistas mais lentos para ultrapassar. Perdemos a conta ao número de equipas que passámos!
Os dorsais que levamos nas costas têm a bandeira da nação de cada participante. Hoje vi muitas bandeiras que ainda não tinha visto nesta prova. Israel, Andorra, Ilha de Man, Roménia, República Dominicana, etc., etc.
Pelo caminho não falámos muito. Quando falávamos era para dizer mal do percurso. Mais um dia de pó, areia e pedra com fartura. Em jeito de brincadeira até disse que este ano não ia fazer férias na praia, pois já estava farto de areia.
Bem, para encurtar a crónica - até porque um dos problemas de estarmos a viver em tendas, é não termos onde nos encostarmos. Assim é desconfortável estar a teclar - concluímos os 121km desta etapa com o tempo recorde de 6h46. Este passou a ser o meu recorde de máximo tempo agarrado a uma BTT. Foi uma overdose de BTT!
Mais tarde e por curiosidade, fui ver as classificações. Qual o meu espanto que mesmo com uma hora e 9 minutos perdidos para a equipa master que chegou hoje em primeiro, ainda conseguimos conservar o quarto lugar! Mas claro que agora o pódio fica definitivamente longe do nosso alcance.
O objectivo para as duas etapas que faltam é “simplesmente” terminar. E coloco o “simplesmente” entre aspas porque terminar uma aventura como a Absa Cape Epic já vimos que não é assim tão simples! Muitas equipas hoje não conseguiram chegar dentro do horário estabelecido pela organização.
Até amanhã.
Fica aqui o video com a queda do José Rosa. Em dois ângulos e tudo. Querem melhor? smile emoticon

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